O ex-PM Adriano Nóbrega, 42, suspeito de chefiar uma milícia no Rio de Janeiro, estava preso quando foi homenageado pelo deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) com a Medalha Tiradentes, mais alta honraria da Assembleia Legislativa.
Em 2004, Adriano foi preso preventivamente acusado pelo homicídio do guardador de carro Leandro dos Santos Silva, 24. O então policial chegou a ser condenado no Tribunal do Júri em outubro de 2005, mas conseguiu recurso para um novo julgamento, foi solto em 2006 e absolvido no ano seguinte.
Nesse meio-tempo, em junho de 2005, o filho do presidente Jair Bolsonaro considerou Adriano merecedor da homenagem. Entre outras razões, de acordo com Flávio, por esse PM ter êxito ao prender 12 "marginais" no morro da Coroa, no centro.
Flávio Bolsonaro já havia homenageado o policial em outubro de 2003, quando apresentou moção de louvor em seu favor. Segundo o senador eleito, Adriano desenvolvia sua função com "dedicação, brilhantismo e galhardia".
Três meses depois, Adriano foi preso junto a outros dez policiais militares sob suspeita de assassinar Leandro. Morador da zona norte carioca, o jovem havia denunciado os agentes no dia anterior pela prática de extorsão e ameaça.
Segundo a acusação, os policiais mataram o jovem e alteraram a cena do crime para tentar forjar a ocorrência de confronto. Em outubro de 2005, Adriano foi condenado a 19 anos de prisão pelo homicídio num júri popular. Na segunda instância, porém, o Tribunal de Justiça entendeu que o júri não analisou de forma correta as provas contra. Adriano foi solto e obteve o direito a um novo julgamento. Foi absolvido em janeiro de 2007.
Oito meses depois da absolvição, a mulher do ex-policial, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, foi nomeada assessora de Flávio Bolsonaro na Assembleia do Rio, onde ficou empregada até novembro passado. Ao longo desse período, Adriano seguiu acumulando acusações.
Um ano depois de absolvido, por exemplo, o ex-PM foi preso novamente, desta vez sob a acusação de tentativa de assassinato do pecuarista Rogério Mesquita. Foi solto um mês depois, após o fim do prazo da prisão temporária. O atentado ocorreu devido a uma disputa pelo espólio do bicheiro Waldomir Paes Garcia, conhecido como Maninho.
Adriano foi preso novamente em dezembro de 2011, na Operação Tempestade do Deserto, resultado das investigações da mesma tentativa de assassinato que resultou numa denúncia contra os envolvidos.
Em agosto de 2012, ao alegar ausência de provas, o juiz Márcio Gava negou o seguimento do processo contra Adriano e a maioria dos acusados.
"As razões pelas quais a instrução se deu de forma tão acidentada podem ser especuladas, mas até o momento não puderam ser provadas", escreveu o magistrado.
A relação com bicheiros, contudo, levou Adriano a ser exonerado da Polícia Militar em janeiro de 2014. Em processo administrativo disciplinar iniciado em 2009, foi considerado culpado da acusação de atuar como segurança de José Luiz de Barros Lopes, contraventor da máfia dos caça-níqueis.
Em 2015, Flávio Bolsonaro foi o único deputado estadual a votar contra a CPI dos autos de resistência na Assembleia. Ele afirmou que a comissão seria mais uma "faca na garganta" do policial.
"Vejam como está a cabeça do policial hoje, preocupando-se mais com o Judiciário, com o juiz, por mais que ele esteja certo e amparado pela lei, preocupando-se em produzir provas para que ele não se sente no banco dos réus", disse à época o hoje senador eleito pelo Rio.
Em abril de 2016, mais de dois anos após a expulsão da PM, a mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, foi nomeada assessora do gabinete de Flávio na Assembleia. Raimunda e a mulher do ex-policial militar foram exoneradas no mesmo dia, em 13 de novembro de 2018, a pedido.
OUTRO LADO
Em nota à reportagem, Flávio Bolsonaro afirmou que a primeira prisão do ex-policial militar era uma injustiça, o que ficou provada com a sua absolvição anos após receber a Medalha Tiradentes.
"Desde o meu primeiro mandato na Assembleia Legislativa, sempre tive por prioridade a defesa das instituições policiais e de seus integrantes. Nesse sentido, por diversas ocasiões, homenageei servidores em face de ações que mereceram reconhecimento", afirmou ele, por meio de sua assessoria.
"Foi assim com o então tenente Adriano, que na ocasião específica sofria uma injustiça, reconhecida com sua absolvição na esfera judicial. Isso se deu há mais de uma década, logo, sendo impossível fazer previsões sobre acusações somente agora reveladas", diz a nota.
Nesta quinta (24), em entrevista ao SBT, Flávio também falou sobre declarações que defendendo a atuação de milícias. Disse que naquela época ainda se estava discutindo o que era uma milícia e que é contra qualquer tentativa de se implantar "um estado paralelo".
"Estava se generalizando de uma forma muito preocupante. Eu sempre fiz a defesa do servidor da segurança pública. Qualquer local onde moravam dois ou três policiais militares já estava sendo considerado milícia."
Suspeitas contra filho não são assunto de governo, diz presidente
Em entrevista ao jornal americano Washington Post, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou que eventuais irregularidades cometidas pelo seu filho Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) não são assunto de governo. "O seu nome de família, Bolsonaro, é a razão pela qual ele tem tanta visibilidade", afirmou na conversa realizada em Davos (Suíça). Bolsonaro também fez uma nova crítica à imprensa, depois que a repórter do jornal americano o perguntou a respeito de uma de suas frases polêmicas sobre homossexuais.
"Você realmente acredita em mídia impressa? Você realmente acredita nisso cegamente?", rebateu Bolsonaro. A repórter afirmou que sim, que cresceu no jornalismo impresso.
"Não estou lançando dúvidas sobre sua mídia. No Brasil, eles são todos iguais [os jornais]", disse o presidente